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O sonho de Seu Custódio e a educação pelo rio

Sobre Marajó 11/08/2021

Seu Custódio não era um homem letrado, mas sabia o valor da educação. Desde cedo, teve que trabalhar para sustentar a esposa Raimunda e os oito filhos do casal. Sem chance de estudar, não aprendeu a ler nem escrever. Para não ver sua história se repetir, tinha o sonho de construir uma escola na comunidade de São Pedro, onde vivia com a família, na zona rural de Breves, no Pará.

Com o trabalho duro nas casas de farinha, conseguiu juntar dinheiro e comprar um terreno. A primeira escola foi improvisada ali no terreiro, apenas com cadeiras e uma lousa no meio da poeira. Não tinha paredes, telhado, porta nem janela. Tempos depois, Seu Custódio ergueu uma escola de madeira, batizada de São Pedro, assim como o povoado e a igrejinha local. Ainda não era feita de alvenaria, como ele imaginava, mas permitia que as crianças da comunidade frequentassem. 

A primeira professora da escola foi Adélia, única filha da masculina prole de Dona Raimunda e Seu Custódio, formada por sete homens e uma mulher. Falecido em 1999, o agricultor encantado pela educação não chegou a ver a escola de alvenaria de pé. Foi Sebastião, o sexto filho do casal, quem decidiu não deixar o sonho do pai morrer.

Em 2010, pediu ao então prefeito que fizesse a escola. Ela foi construída em outro terreno do povoado, mas manteve o nome de São Pedro. Funcionou plenamente durante oito anos, depois passou por um período de degradação e agora está passando por uma grande reforma, que será concluída em outubro, quando deverá ser reinaugurada. 

Cuidar dos “alunos do rio”

Hoje, a escola que leva o nome do padroeiro dos pescadores e das navegações, atende aos “alunos do rio”, das comunidades ribeirinhas próximas. A unidade de ensino oferece da creche (a partir dos 3 anos) até o nono ano do Ensino Fundamental. Tem biblioteca, sala de informática, quatro salas de aula, internet, energia da rede elétrica de Breves e poço artesiano. Algumas turmas funcionam juntas, em blocos. São 160 alunos matriculados e 17 professores entre concursados e contratados. 

Neta de Seu Custódio, Simaura Prudente de Souza, de 42 anos, é professora do Ensino Infantil e uma das coordenadoras da escola. Ela conta os desafios de manter uma escola rural, que atende a população ribeirinha, diante de tanta desigualdade social. 

“As dificuldades são muitas e a pandemia da Covid-19 contribuiu para agravar. Muitas crianças vêm para escola sem o café da manhã, porque não têm o que comer em casa. Temos aqui o caso de uma mãe de 42 anos, que tem 17 filhos. Além disso, as filhas mais velhas, com uma média de 15 anos, já vão se casando e engravidando. Esses problemas fazem com que os alunos abandonem a escola”, lamenta Simaura. 

O time da Rede Mondó foi conhecer a Escola São Pedro nas suas andanças para realizar o Diagnóstico Territorial do Programa de Fortalecimento Escolar em Breves. O trabalho da Rede é exatamente desenvolver soluções, junto com a comunidade, para o fortalecimento de territórios vulneráveis a partir da escola. A proposta é que as escolas se transformem em Plataformas de Soluções Sociais.

Esperança na Rede Mondó

“Precisamos ter esperança para que as coisas melhorem. E quando vemos um projeto assim como o da Rede acreditamos que é possível”, defende Simaura. Diante da condição social dos alunos ribeirinhos, a escola já é uma plataforma de soluções para necessidades básicas. “Além de chegar sem comer, muitos vêm sujos e infestados de piolho. Até eu já peguei. Aí damos banho neles no rio, colocamos remédio e passamos o pente para acabar com a infestação. Quando falta merenda também fazemos uma coleta entre os professores para arrecadar alimentos”, conta Simaura. 

Por conta da pandemia da Covid-19, as aulas presenciais estão suspensas e a Prefeitura de Breves, por meio da Secretaria de Educação, está enviando mensalmente um Kit Merenda para as famílias dos alunos, com produtos da cesta básica. Também foi preciso adotar uma estratégia para que as crianças continuassem estudando. Sem internet em casa para ter aulas digitais, os professores preparam cadernos de atividades.

A escola aguarda por três dias que os alunos, pais ou responsáveis compareçam para buscar os cadernos. Se eles não forem, as atividades são entregues nas casas dos alunos, que têm até dez dias para responder e devolver para correção pelo professor. Apesar da tentativa de amenizar o tempo sem aulas, Simaura diz que muitos dos pais não têm escolaridade para auxiliar os filhos nas tarefas. Diante disso, os professores continuam indo à escola duas vezes por semana para dar aula de reforço a quem precisar. 

Quando os alunos estão normalmente na escola, a merenda é preparada pela merendeira e traz itens da alimentação local como açaí, camarão, peixe, frango, tapioca, sucos e sopas. O transporte dos estudantes é feito por lanchas escolares, contratadas pela Prefeitura. Cinco barqueiros fazem o trabalho de trazer e levar as crianças, num percurso pelo rio que dura cerca de 40 minutos. A reforma da escola traz, inclusive, um trapiche para desembarcar e embarcar as crianças.    

Seu Custódio ficaria feliz em ver a reinauguração da escola, em outubro próximo, mas constataria que o caminho para vencer a desigualdade ainda é longo e continua passando pela educação. Educar é nossa esperança para transformar vidas. Razão da existência da Rede Mondó.

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